Por que é tão difícil prever o mercado? Chegar a conclusões definitivas a respeito das melhores ações? E por que a estratégia Buy and Hold tem tão bem sucedida? Tudo parece tão subjetivo, tão sujeito a tantas variáveis diferentes que parece impossível acreditar que uma estratégia possa ser tão competente para navegar tranquilamente em águas tão turbulentas.
Reflita sobre as variáveis que afetam o mercado de ações: questões políticas a respeito das expectativas sobre as políticas do governo que impactarão a atividade empresarial; expectativas quanto ao movimento da taxa de juros; a política internacional; o empenho dos administradores; a sustentabilidade do crescimento dos lucros das empresas; o humor dos investidores… e por aí vai.
Como é possível, então, explicar o sucesso da estratégia Buy and Hold? No meio de tantas variáveis, parece difícil conceber a própria ideia de que comprar ações de empresas com determinadas características pode ser uma estratégia vencedora no longo prazo. No post de hoje, tentarei rascunhar algumas intuições que tenho sobre o assunto. O post, portanto, será bem filosófico – mas prometo manter a linguagem simples como sempre tenho feito.
O mercado de ações é um sistema evolutivo. O que isso quer dizer?
A primeira intuição é a de que o mercado de ações é um sistema evolutivo complexo. Isso quer dizer que o mercado de ações apresenta características específicas que tornam a sua dinâmica muito próxima àquela estudada pelo inglês Charles Darwin ao explicar a evolução das espécies. Segundo Darwin, um sistema evolutivo é composto por três características básicas: (i) ele produz variações; (ii) essas variações são transmitidas por um mecanismo de herança; e (iii) dessas variações decorrem características que afetam a possibilidade de ela ser transmitida no futuro (seleção).
O que, na biologia, chamamos de aptidão (fitness), é a capacidade de sobreviver e se reproduzir. Essa é a lógica estabelecida na teoria de Darwin: quando um organismo não tem essa capacidade, ele é inapto e, por isso, há uma grande tendência da proporção de seus genes diminuírem nas próximas gerações. Quando ele tem uma aptidão maior, consegue se reproduzir mais e, por isso, a proporção de seus genes aumenta no conjunto da população.
O mesmo ocorre com a atividade empresarial. Quando uma empresa tem determinadas características, ela pode aumentar ou diminuir sua participação no mercado. Se sua participação chegar a 0%, ela foi “extinta” do jogo, porque suas características a tornaram inapta para participar do jogo do mercado. Ou seja, Darwin também se aplica ao mercado financeiro.
A “variação”, no mundo empresarial, diz respeito ao conjunto de empresas que participam do mercado. Cada empresa adota estratégia de negócio diferentes, que afetam seus resultados operacionais e podem levá-la um pouquinho mais próximo do sucesso ou mais longe dele. Ou seja, adotar uma ou outra estratégia afeta a probabilidade de que a empresa se mantenha “viva” e bem sucedido.
Que estratégias fazem uma empresa ser bem sucedida no longo prazo?
Na teoria evolutiva, é difícil dizer que uma estratégia comportamental é sempre mais bem sucedida. O ambiente evolutivo não é estático; a estratégia que pode funcionar muito bem em determinado momento pode ser um fracasso retumbante no futuro, porque as condições mudaram. Como cada empresa muda suas estratégias ao longo do tempo, como resposta aos desafios que lhe são colocados, o ambiente é muito instável. Confiar em uma estratégia que deu certo no passado não necessariamente garante o sucesso no futuro.
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A essa altura, alguém poderia pensar: “e não é exatamente isso que você sempre sugeriu? Que o Buy and Hold é uma estratégia que traz melhores resultados sempre?”
Sim, eu disse. Mas a teoria evolutiva tem apresentado muitos desenvolvimentos após a obra-prima de Darwin. John Maynard Smith e George Price, por exemplo, delinearam o conceito de “estratégia evolutivamente estável” (ESS – evolutionary stable strategy). Uma estratégia é evolutivamente estável quando, uma vez fixada em uma determinada população, a seleção natural prevenirá que estratégias alternativas consigam ser bem sucedidas e substituí-la. É uma aplicação do conceito de equilíbrio de Nash a sistemas evolutivos: uma ESS é a melhor resposta em uma situação possível, dado que não há nada a ganhar substituindo-a por outra estratégia.
Acredito que o sucesso da estratégia Buy and Hold ao longo da história se deve ao fato de que é uma estratégia evolutivamente estável. Não importa o que os outros investidores façam, você não vai ganhar nada em relação a eles se deixar de utilizar a Buy and Hold. E por que isso? Porque a estratégia Buy and Hold traz embutida em si mesma considerações bastante realistas a respeito do próprio funcionamento do mercado. Ao invés de buscar se concentrar no momento, ela se concentra na lógica de funcionamento do mercado – nas características que usualmente fazem as empresas serem bem sucedidas e prosperarem no longo prazo.
Ela traça considerações a respeito do que constitui a “aptidão” no mercado empresarial e traz essas premissas para o centro de suas considerações a respeito de quais empresas têm maior probabilidade de ter sucesso no longo prazo. São premissas razoavelmente simples: ou você discordaria de que empresas lucrativas, que apresentam histórico de anos sem dar prejuízo, têm mais chance de sucesso? Que apresentar um bom ROE e ROIC sejam indicadores de eficiência no uso da receita? Que ter uma margem de lucro maior é melhor do que ter uma margem de lucro menor, e que a história desses indicadores indica maior qualidade na gestão empresarial? Ou que ter uma boa gestão de dívidas é melhor do que tê-las descontroladas?
Além disso, a estratégia Buy and Hold também considera o seu próprio ambiente competitivo – as estratégias alternativas de investimento. A lógica do mercado empresarial é a da eficiência; no mercado de ações, a lógica é a do preço. E ela parte de uma premissa simples: comprar ações de empresas por um preço de mercado menor aumenta suas chances de lucro no longo prazo. A análise dos fundamentos do mercado empresarial permite examinar o fundamento das companhias, separando o joio do trigo e selecionando as que mostram melhores prospectos para o futuro; e a análise de mercado de ações possibilita comprar essas empresas por preços razoáveis.
Essa é uma estratégia evolutivamente estável porque é muito, muito difícil de ser substituída por outra no longo prazo. As estratégias fundamentadas na análise gráfica e técnica, por exemplo, se preocupam apenas com uma das dimensões da realidade – o próprio mercado de ações. Ela enxerga esse mercado como tendo uma lógica própria, independentemente da realidade subjacente que diz respeito ao que ocorre de fato no mercado empresarial. Ela não está de todo errada; o mercado de ações tem uma lógica peculiar, que responde bem a vários fatores intrínsecos ao sistema de negociação de ações. Fatores como o humor dos investidores, elasticidade, suporte e resistência podem de fato um poder preditivo no curto prazo. Mas, como essas estratégias não são responsivas à dinâmica da economia real, estão fadadas a não reconhecer, no presente, o potencial das empresas no futuro.
As análises fundamentalistas que lastreiam a estratégia Buy and Hold erram? Erram. Em sistemas tão complexos como a economia, é impossível traçar qualquer abordagem infalível. Impossível. Mas o foco dela não é acertar sempre, mas sim errar o mínimo possível. E, como a história tem mostrado, isso de fato vem acontecendo, com grandes recompensas para quem a segue.
Fonte: O Pequeno Investidor, ADVFN
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