domingo, 29 de novembro de 2009

O PREÇO DO ENTRA E SAI DA BOLSA

Na ilusão de identificar melhor momento de comprar e vender ações, investidor mina resultados da carteira.

Por Adriana Cotias, de São Paulo
27/11/2009

A ambição de identificar o melhor momento de comprar e vender o Ibovespa ou qualquer ação na bolsa é uma tarefa que pode se provar infrutífera. Ao entrar e sair do mercado, na esperança de conseguir amplificar os retornos acertando quando determinado ativo atingiu o seu piso ou o seu topo - o chamado "market timing" -, o investidor corre o risco não só de vender na hora errada, mas de ficar fora da festa quando há uma recuperação. Ao longo do tempo, a repetição dessa estratégia tende a reduzir ou até anular os ganhos da carteira, conforme mostra estudo elaborado pelo economista Clayton Calixto, da equipe de estratégia da Santander Asset Management, com colaboração do colega Aquiles Mosca.

O levantamento, feito em períodos distintos, teve como ponto de partida o ano de 1999. Numa primeira janela, abrangeu até a fase anterior à quebra do Lehman Brothers , abril de 2008. Uma segunda amostra, também iniciada em 1999, engloba a etapa mais crítica da crise até janeiro de 2009. E, por fim, o intervalo que já inclui o pós-crise, até outubro passado. Nesses três casos, o que Calixto conseguiu identificar foi que na hipótese de estar fora do mercado nos pregões de maiores altas do Ibovespa, o investidor teria minado os ganhos do seu portfólio.

Entre 1999 e abril de 2008, o Ibovespa teve, na média, valorização de 27,87% ao ano. Mas ao se excluir os dez maiores retornos do índice nesse intervalo, a rentabilidade cai para 15,96% ao ano, menos do que o CDI no período, de 16,80%. Subtraindo-se os 20 melhores pregões, a valorização se reduz a 9,83% ao ano; e, tirando-se 30 pregões, o retorno fica restrito a 4,41%, perdendo para a inflação média do período, de 6,81%.

Ao se avaliar o intervalo que se estende até a fase mais avassaladora da crise, janeiro de 2009, o resultado se repete. O Ibovespa teve retorno anualizado de 18,99%, mas ao se excluir os 10, os 20 e os 30 melhores pregões, o retorno cai para 6,04% ao ano, ficando abaixo da inflação média, no primeiro caso, e tornando-se negativo nos dois períodos seguintes, -0,43 e -4,96%.

No pós-crise, nada muito diferente, com o retorno anualizado de 23,11% desde 1999 até outubro transformando-se em 10,61% ao se desconsiderar os 10 melhores pregões; em 4,06% ao se tirar 20; e convertendo-se em prejuízo de 0,96% sem os 30 melhores dias na bolsa.

"Esses resultados são um incentivo às carteiras de longo prazo, fica claro que não adianta ficar entrando e saindo da bolsa", diz Calixto. "Às vezes, é melhor mesmo casar com o ativo, considerando-se a ideia de perpetuidade, ficar com as ações pelo menos por três ou quatro anos."

O estudo de Calixto replica o que os pesquisadores Brinson, Hood e Beebower haviam diagnosticado no mercado americano, para uma janela entre 1989 e 1994. Usando como métrica o S&P 500, eles observaram 1.275 pregões. O retorno anualizado de 10,35% cairia para 4,28% se o investidor ficasse fora dos 10 melhores e o resultado praticamente zeraria (0,14%) ao se excluir as 20 maiores altas.

E não é só o investidor individual que erra a mão. Na literatura internacional, estatisticamente ficou comprovado que só 2% dos gestores conseguem ganhar com o giro. "Isso parece mais sorte do que assertividade", emenda Calixto.

Os gurus da gestão de recursos no Brasil concordam. Dório Ferman, o homem à frente de um dos fundos de ações mais antigos do mercado brasileiro, lidera esse coro. "O 'market timing' é a ideia de que num jogo (de forças) você é o esperto perfeito enquanto o consolidado do mercado é o tolo perfeito", diz o dono do Banco Opportunity, que comanda o Lógica II há mais de duas décadas. "Não pode existir esse dom de comprar barato e vender caro sem perder nunca, só acredito em ações que são atraentes em relação à rentabilidade da empresa, descontada a taxa de juros; o relevante em bolsa é o tempo que se tem para esperar e não a hora de entrar e sair."

Ao longo da sua trajetória de 23 anos, US$ 10 mil aplicados no Lógica II se multiplicaram por 130. Para Ferman, a ânsia do curto prazo só gera corretagem, emoção, mas não lucro. "Bolsa é uma opção para se ganhar com muito estudo e paciência." Ele conta que, depois de selecionado um ativo, o desinvestimento só ocorre quando acha que as perspectivas de lucros futuros não são mais suficientes para justificar o preço.

Com os mercados globais interligados e os fluxos de capitais mudando de rota rapidamente tanto mais difícil é fazer "market timing" ou prever eventos como um calote de quase US$ 60 bilhões em Dubai. "Seria necessário controlar tudo o que ocorre nos EUA, na Rússia, na Índia, na China, em outras partes do mundo e isso é impossível", diz o sócio da GAS Investimentos Leivi Abuleac, um dos investidores pioneiros do mercado acionário no Brasil. Quando o investidor toma a decisão de comprar determinado ativo, o ideal, sugere, é que ele programe suas aquisições aos poucos, todo dia 10, por exemplo, e sem ligar para a cotação daquele pregão ou para o humor geral na bolsa. Com tal disciplina, o aplicador tira o fator emoção da sua decisão de investimento e acaba também pegando os piores momentos do mercado e compondo um preço médio a seu favor.

Quem receita isso é dono de uma senhora paciência. Abuleac começou a investir suas economias em ações do setor de telecomunicações em 1968, quando ainda era empresário do ramo têxtil. Aos 18 anos estudava o setor nos Estados Unidos e Japão e três décadas depois tornaria-se o maior acionista individual do sistema Telebrás. Aquilo que lhe custara centavos, durante o arrastado processo de privatização das telefônicas passou a valer US$ 400,00.

Embora na compra o recomendável seja ter em mente um horizonte de pelo menos quatro ou cinco anos, a venda, diz Abuleac, pode ser feita a qualquer momento, "não está escrito que você tem de ficar com a ação". Fatos extraordinários que multipliquem o valor do ativo além do previsto ou quando o caso de investimento não evolui a contento merecem uma revisão. "É como um casamento, você casa com a intenção de ficar uma vida inteira, mas há casos em que um mês depois está separado."

Longe de ter ojeriza pelo "market timing", a diretora da Fator Administração de Recursos (FAR), Roseli Machado, diz que usa a estratégia ocasionalmente, de maneira estrutural, mas não com o intuito de acertar micromovimentos de curto prazo. "No ano passado, por exemplo, no meio de uma baita crise, a escolha foi ficar menos investido, com mais dinheiro em caixa, na intenção de proteger a carteira." No Jaguar, por exemplo, carteira de ações que existe há 12 anos, ela conta que o perfil fundamentalista é que predomina e responde pela maior parte dos resultados. Na média, o portfólio tem um retorno líquido ajustado ao risco (o chamado alfa) de 7% ao ano.

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