quinta-feira, 8 de maio de 2008

A linha tênue entre o investimento e a especulação

Rui Tabakov Rebouças
A distinção entre investimento e especulação é um tema fascinante: os pólos são claramente definidos, mas entre eles as características das duas técnicas muitas vezes se misturam, freqüentemente sem que se perceba.

Um critério útil para a discussão é o apresentado por Seth Klarman em seu precioso livro "Margin of Safety". Tanto o investimento como o ativo especulativo estão sujeitos a oscilações de preço, mas apenas o investimento gera fluxo de caixa - isto é, rendimento - em benefício de seu proprietário (a possível exceção a esse teste são os metais preciosos). Dessa forma, "uma máquina produz objetos que podem ser comercializados, um imóvel é ocupado por inquilinos que pagam aluguel e uma área de reflorestamento produz árvores que serão em algum momento derrubadas e vendidas."

Ao tratar de especulação, Klarman explica: "Coleções, como obras de arte, antigüidades, moedas raras e figurinhas de futebol... não geram fluxo de caixa algum; o único caixa que podem produzir depende da venda final. Da mesma forma, o próximo comprador também é refém de oportunidades futuras" e de caprichos de um mercado regido por um raciocínio circular: "pessoas compram porque outras compraram recentemente; o efeito é a subida de preços, que atrai publicidade e cria a ilusão de retornos atrativos. Essa lógica pode falhar a qualquer momento."

Então, observa o gestor australiano Chris Leithner, na especulação, o retorno é menos confiável e a continuidade (e oscilação) de cotações é imprescindível para a validação do ato inicial - o especulador precisa de liquidez! No outro extremo, o investidor não necessita de cotações, pois tem o fluxo de caixa para se apoiar. A variação de preço de mercado é um subproduto de seu processo e pode ou não ser aproveitada.

O tema fica mais nebuloso quando se trata de valores mobiliários, que podem ser investimentos e ativos especulativos ao mesmo tempo. Benjamin Graham elucidou a questão da seguinte forma: "Uma operação de investimento é uma que, após análise completa, garante a segurança do principal e um retorno adequado. Operações que não satisfazem esses requisitos são especulativas".

Vejamos na prática. É comum no mercado americano uma empresa reter todo lucro sem pagar dividendos. Como esse lucro, mesmo que retido, pertence aos acionistas e será utilizado em seu benefício - no crescimento orgânico do negócio, numa aquisição, numa recompra de ações etc -, a empresa passa no teste do fluxo de caixa e se qualifica como um investimento. Mas, no curto prazo, a cotação das ações oscila aleatoriamente e isso as torna passíveis de especulação. Então, o fator crítico é o foco do analista.

Quem compra ações porque espera que o preço suba, ou vende a descoberto porque espera que o preço caia, está especulando, pois o foco é a direção do mercado e a obtenção de ganho rápido, explorando-se a emoção predominante - ganância ou medo. Quem compra as mesmas ações porque sabe que o valor intrínseco (o que recebe) é maior do que o preço (o que entrega) está investindo, pois o foco é a análise sensata e a compra com margem de segurança - lógica e prudência.

Reconhecendo o investimento puro como aquele retido por períodos longos (vários anos), John Burr Williams concluiu que a grande maioria dos participantes de mercado é híbrida, sendo parte investidora e especuladora. Mas isso não quer dizer necessariamente 50% de cada! Segundo Leithner: "o desafio no mundo real é pensar e agir o máximo possível como investidor e o mínimo necessário como especulador."

Por exemplo, o indivíduo que compra ações com bom desconto em relação ao valor intrínseco, mas ao mesmo tempo exige a presença de um "catalisador" que acelere o reconhecimento desse valor pelo resto do mercado, comporta-se como investidor (comprou com margem de segurança e tem o fluxo de caixa) com um viés especulativo (depende do preço de saída para que a operação funcione como planejado).

Participam dos mercados financeiros indivíduos extremamente capacitados, tanto investidores como especuladores. Mas, da mesma forma que há pouquíssimas pessoas que, numa vida de jogos em cassinos, mais ganham do que perdem, há menos especuladores ricos do que investidores ricos. E a especulação mais nociva, provavelmente, é aquela que se disfarça de investimento seguro, o que realça a importância de se poder identificar o caminho adotado. Por fim, vale lembrar o que disse Mark Twain: "Há duas ocasiões na vida em que não se deve especular: quando não se tem dinheiro para isso e quando se tem."

Rui Tabakov Rebouças é sócio da Tabakov Capital LLC, gestora de recursos financeiros em Nova York

E-mail: rui@tabakovcap.com

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