terça-feira, 26 de agosto de 2008

A vitória de um conservador

No período em que o desempenho da Bovespa foi puxado pelas ações mais tradicionais, ganhou o analista que não inovou
Lailson Santos

O analista Ricardo Martins: 90,8% de acerto em suas recomendações
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Por Juliana Garçon
EXAME O economista Ricardo Martins, de 47 anos, vencedor do prêmio analista de ações de 2008 do Guia EXAME de Investimentos Pessoais, é um sujeito metódico. Sua semana começa invariavelmente na noite de domingo, quando acompanha ainda em casa a abertura dos mercados asiáticos. No dia seguinte, pula da cama às 5h45, toma o café da manhã e deixa as filhas no colégio, a caminho da corretora paulistana Planner, onde trabalha há um ano e meio. Uma vez no trabalho, de segunda a sexta segue a rotina de gerenciar sua equipe de quatro analistas e de devorar balanços, boletins e notícias que possam ter impacto no mercado financeiro. Tudo sempre igual. Martins não inventa nem se entusiasma com novidades. Sua predileção são e sempre foram as companhias de primeira linha. Enquanto milhares de investidores e dezenas de gestores se atiraram, sem freios, na onda dos IPOs nos últimos anos, Martins manteve-se fiel às suas crenças — e é isso que explica sua premiação como melhor analista. Quem indicou a compra de IPOs se saiu muito mal. Quase 70% das empresas que chegaram à bolsa nos últimos quatro anos valem menos hoje que no dia da abertura do capital.

O levantamento feito para chegar ao analista vencedor é extenso. Com base em informações da consultoria Thomson Financial, o Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas analisou 1 097 recomendações e 1 402 preços-alvo elaborados por 176 analistas de 24 corretoras, entre julho de 2006 e junho de 2008. As recomendações feitas por esses profissionais foram confrontadas com o desempenho real dos papéis em cada semana, quinzena e mês. Os erros e acertos deram origem ao ranking de melhores analistas — no qual Martins ocupou o lugar mais alto, com índice de acerto de 90,8%. "Foi um período em que blue chips, como Vale e Petrobras, puxaram o desempenho da bolsa. Ganhou quem não inventou muito, quem recomendou o básico", diz o professor Ricardo Rochman, que trabalhou no estudo da FGV.

A mudança de cenário

Para manter o desempenho nos próximos meses, Martins tem seu foco de atenção nos Estados Unidos, onde os índices de venda de imóveis novos e usados estão em queda. "Os sinais de recuperação ainda são inconsistentes. Até que haja estabilidade nos preços dos imóveis, haverá baixas contábeis nos bancos", diz Martins. A preocupação faz sentido porque a economia americana é a causa dos solavancos na bolsa brasileira desde o ano passado. "A expectativa é que no primeiro semestre do ano que vem os indicadores americanos sinalizem uma tendência mais clara." Na opinião de Martins, fora dos Estados Unidos, a bola da vez é o Reino Unido, onde há sinais de uma crise mais aguda. A extensão do contágio nos mercados europeus já o preocupa, com a possibilidade de recessão na Europa e desaceleração global — o que certamente teria conseqüências no mercado de capitais brasileiro.

Essa grande quantidade de fatores externos que podem influenciar o desempenho das ações listadas no Brasil dificulta as análises dos gestores. "As condições de mercado estão pesando mais do que a análise das contas das companhias", diz Martins. Com a economia brasileira em expansão, a maior parte das empresas está apresentando resultados positivos, o que aumenta as chances de que entreguem os resultados prometidos aos acionistas. O grande ponto de interrogação é como a crise vai influenciar os investidores internacionais que já tiraram dinheiro da bolsa brasileira neste ano. Sem a volta dos estrangeiros, a Bovespa dificilmente conseguirá recuperar o terreno perdido.


O que esperar do futuro

As previsões do analista Ricardo Martins para os próximos 12 meses
Bancos
"São favorecidos pela alta dos juros e da inflação. Por outro lado, poderão sofrer com a elevação dos custos de captação. Os resultados devem manter bons níveis de rentabilidade."
Elétricas
"Demoraram a decolar neste ano, mas enfim estão se valorizando. Continuarão favorecidas pelo crescimento do consumo e reajustes das tarifas pela inflação."
Siderurgia
"Ainda pode ter rentabilidade positiva neste ano, mas as commodities metálicas começam a cair, pressionando para baixo a Vale e outras empresas
do setor."
Varejo
"O setor prometia, mas deixou a desejar. Apesar do aumento da renda da população, a rentabilidade do setor foi penalizada pela maior concorrência entre as empresas."

Com todas as incertezas, os analistas avaliam a tendência do mercado dia a dia, seguindo a agenda externa, o câmbio, os juros e a produção de petróleo. "As análises precisam ser refeitas em curtíssimo prazo", diz Martins. No Brasil, também há sinais que causam inquietação. A inflação preocupa o Banco Central, que já deixou bem clara sua disposição de aumentar a taxa básica de juro da economia até onde for necessário para frear a alta de preços. Um dos efeitos dessa política é o desestímulo ao consumo, mas Martins está otimista. "Não é um problema. Continuamos com fundamentos bons", diz. É uma avaliação que, de alguma forma, sintetiza sua autodescrição. "Sou um conservador sem ser pessimista."

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