A análise fundamentalista parte de um pressuposto bastante razoável: o de que uma ação é um pedacinho de uma empresa. Na verdade, todos nós fazemos análise fundamentalista quando compramos boa parte dos bens que usufruímos em nosso dia a dia. Quando uma pessoa cuidadosa vai a uma concessionária comprar um carro, ela investiga qual a potência do motor, checa os itens de segurança, verifica os acessórios que acompanham o veículo, procura na internet informações sobre o consumo de combustível, entre tantas outras coisas. Se for realmente diligente, compara cada item com os oferecidos por outros veículos e a relação entre o preço e seus benefícios.
Análise fundamentalista ajuda a diferenciar Ferrari de Fusca...
E por que o consumidor tem todo esse trabalho ao comprar um automóvel? Por uma simples razão: ele quer saber se o preço que está pagando pelo seu carro é justo, ou seja, se o valor do carro é superior ou inferior ao preço que está sendo comprado. Afinal, não faz sentido pagar mais do que o valor efetivo do automóvel.
Se você, quando pretende comprar um carro (ou qualquer outro bem), adota uma atitude diligente como essa, então já entendeu o espírito da análise fundamentalista. Você não compraria um fusquinha 77 por R$ 40.000, mas compraria uma Ferrari zero quilômetro por esse preço. Por quê? Porque o preço cobrado pelo fusquinha é muito alto pelo valor real dele, ao passo que o valor de uma Ferrari novinha é muito superior a R$ 40.000,00. Como você sabe disso? Porque você sabe o que normalmente se cobra por um fusquinha 77 e por uma Ferrari modelo 2012. E sabe que, tanto em um caso quanto no outro, há uma distorção absurda no preço.
Saindo da concessionária e entrando na Bolsa de Valores: a análise fundamentalista serve, essencialmente, para duas coisas: em primeiro lugar, ela ajuda a entender se uma empresa é uma Ferrari ou se ela é um fusquinha. Uma empresa "Ferrari" é confiável, tem marca forte e consolidada e dificilmente vai falir no horizonte próximo. Na verdade, uma empresa "Ferrari" tem uma situação financeira e operacional tão forte que a falência não é uma preocupação em seu horizonte. Já uma empresa "fusquinha" é o extremo oposto: ninguém sabe se ela continuará suas atividades no próximo ano. Não tem uma marca forte, normalmente está num setor de acirrada concorrência, não tem vantagem competitiva para se sobressair nele, e, muitas vezes, tem mais dívidas do que o seu patrimônio líquido. Enfim, se sabemos diferenciar uma Ferrari de um fusquinha "no olho", é preciso olhar os balanços de uma empresa para verificar a sua qualidade.
Análise fundamentalista permite identificar o preço justo de uma empresa
Em segundo lugar, a análise fundamentalista serve para colocar uma etiqueta de preço nas ações de uma empresa. Ao comprar um carro, nós temos certa noção do preço que normalmente se cobra por determinado veículo. Vemos as propagandas, damos uma olhada no guia das revistas especializadas ou na tabela divulgada pela FIPE etc. No caso das ações, essa tarefa é relativamente mais complexa. Não há uma metodologia precisa para saber o valor adequado de uma ação, pois cada empresa tem peculiaridades. Algumas companhias têm preços altos demais, entre os motivos, porque se espera que elas tenham um crescimento espetacular ao longo dos próximos anos (são as chamadas ações de empresas de crescimento, ou growth stocks). Em outros casos, o preço pode estar baixo porque não se espera tanto crescimento assim, apesar da empresa ser considerada um bom investimento porque paga bons dividendos (é o caso do setor de energia elétrica). A análise fundamentalista ajuda a compreender as particularidades da atividade operacional de cada corporação e, a partir daí, definir um horizonte de preços em que pode ser considerado razoável o investimento em ações.
Mas a análise fundamentalista também é útil por ajudar a manter o pé no chão. Às vezes, os analistas de mercado apresentam otimismo demais com relação a determinadas empresas ou a certos momentos. Há alguns anos, vimos a euforia de todos com a descoberta do pré-sal e com a atribuição de grau de investimento ao País. As bolsas subiram bastante na época (e as ações da Petrobras também), mas os fundamentos não justificaram o movimento - tanto que, até hoje, o Ibovespa opera abaixo do seu teto histórico obtido em 2008.
Outras vezes, a análise fundamentalista ajuda a proteger o investidor contra o extremo pessimismo. Em outubro de 2008, quando o Ibovespa rondava os 30.000 pontos (depois de alcançar patamar próximo aos 74.000), o pessimismo era generalizado. Mas foi possível comprar ações como Marcopolo (POMO4) por algo em torno de R$ 2,00 (hoje está na casa dos R$ 7,00), Banrisul (BRSR6) por aproximadamente R$ 4,00 (hoje, na casa dos R$ 19,00), Ambev (AMBV4) a R$ 18,35 (preço antes do desdobramento de ações - hoje as ações estão na casa dos R$ 65,00) entre tantas outras. Quem utilizou análise fundamentalista para examinar o negócio dessas empresas enxergou naquele momento excelentes oportunidades de investimento. A análise fundamentalista é guiada por fatos, não por opiniões; o mercado pode estar otimista ou pessimista, e isso pode levar à flutuação dos preços; mas quem aplica análise fundamentalista pode, a partir dos fatos, decidir se o humor do mercado está certo ou errado, e agir de acordo com suas premissas.
A principal razão pela qual prefiro utilizar a análise fundamentalista diz respeito aos objetivos do investidor no mercado de ações. Se você é um investidor de longo prazo, a análise fundamentalista é a ideal para você. Se seus objetivos financeiros estão estipulados para daqui 20 anos e se você opta por utilizar a análise técnica, não faz qualquer diferença comprar uma ação por R$ 21 ou por R$ 22. O seu objetivo deve ser acumular capital, reinvestir dividendos para comprar mais ações e gerar, assim, uma máquina de acumular juros compostos, e não ganhar 5 ou 6% com trades curtos.
Uma última nota: os custos de uma abordagem de investimento baseada em análise fundamentalista são significativamente menores do que os de uma estratégia baseada na análise técnica. A análise técnica pressupõe que o investidor negocie muitas vezes suas ações ao longo de um período relativamente curto, conforme os sinais que são disponibilizados no gráfico. O problema é que negociar ações demais traz custos excessivos com corretagem e impostos. Uma estratégia baseada na análise fundamentalista, por sua vez, normalmente está associada a uma abordagem Buy and hold: o investidor fundamentalista não realiza muitos trades, já que seu objetivo é de longo prazo. Ele compra suas ações e as mantém em sua carteira por anos a fio, até que os preços estejam altos demais e faça sentido vendê-las ou até que os fundamentos da companhia se deteriorem. Com isso, os custos com corretagem e impostos são diluídos no longo prazo, o que pode fazer uma grande diferença com o passar dos anos.
Fonte: Pequeno Investidor
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